Entrevistas

Marta diz que errou repreender Sarney em público por não usar ‘presidenta’: “Deveria ter feito a observação em privado e não daquele jeito. Não foi correto”

Raquel Ulhôa – Jornal Valor Econômico
De Brasília

A senadora Marta Suplicy (PT-SP) descarta candidatar-se à Prefeitura de São Paulo em 2012 e considera cedo para falar sobre disputar o governo em 2014. Ela prevê “surpresas” no cenário político de São Paulo. Alerta que o prefeito Gilberto Kassab (DEM), que movimenta-se rumo a outros partidos, está “a serviço” da candidatura do ex-governador José Serra (PSDB) a presidente em 2014. “E quem não perceber isso está de olhos fechados”, diz.

A ex-prefeita de São Paulo reconhece que, se Dilma Rousseff não pode dar aumento maior para o salário mínimo e cortou investimentos, como fez Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, é porque houve excesso de gastos no governo passado – de Lula e dela.

Marta venceu disputa acirrada na bancada do PT para ser indicada vice-presidente do Senado – ou “vice-presidenta”, como os assessores tentam se acostumar a chamá-la – e está sendo dura no controle do tempo de fala dos colegas, ao presidir as sessões. Por outro lado, chora ao ler carta de uma pessoa que se diz vítima de homofobia e relata a violência física cometida contra pessoas de sua convivência.

Marta vai relatar projeto que criminaliza a homofobia, mas chega ao Senado com outros interesses, como as reformas política e tributária. Planeja apresentar projeto criando órgãos para planejar o desenvolvimento de regiões metropolitanas. A seguir, trechos da entrevista ao Valor:


Valor: É a primeira senadora eleita por São Paulo e a primeira mulher vice-presidente do Senado. O caminho foi aberto por Dilma Rousseff?


Marta Suplicy: Se esperávamos que a eleição da primeira presidente fosse ter um impacto, está sendo muito mais rápido e visível do que nossas aspirações. Foram a vice-presidência do Senado, a vice-presidência da Câmara [Rose de Freitas (PMDB-ES)] e nove ministras. Apresentei requerimento de voto de aplauso ao governador Sérgio Cabral pela nomeação da primeira mulher chefe da polícia do Rio de Janeiro [Martha Rocha]. As porteiras foram abertas. Essas nomeações não seriam tão fáceis se não fosse o discurso da presidente dizendo que o protagonismo feminino seria muito importante no seu mandato.

Valor: A senhora sugeriu ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ao microfone, que chamasse Dilma de “presidenta”, como a senhora a chama todo o tempo. Ele respondeu que continuaria usando a “fórmula francesa: madame le président”. Qual é a importância da forma, se muitos, inclusive, consideram equivocada a flexão de gênero das palavras com esse sufixo?

Marta: A longo prazo – que como psicanalista é o que me interessa -, para uma criança, habituar-se a ouvir esse sufixo é importante. Como vai ser importante, em cada pronunciamento à nação, a chefe ser uma mulher. Eu mesma quando falo “presidenta” não me sinto confortável, porque não tenho o hábito, que só virá pela prática. Espero que daqui a 15 anos, quando minhas netas tiverem 20, seja normal. É correto falar senhora presidente, mas não atinge o simbólico.

Valor: O diálogo público com Sarney causou certo constrangimento. Pediu desculpas?

Marta: Eu o procurei e disse que deveria ter feito a observação em privado e explicado o motivo. Não foi bom eu ter feito daquele jeito. Não foi correto. O presidente Sarney foi muito elegante, um gentleman. Quando fui falar com ele, ele lembrou uma coisa muito interessante: que foi o primeiro [presidente da República] que falou ‘brasileiros e brasileiras’. E se a gente for pensar, ele ajudou Roseana a ser a primeira governadora.

Valor: Presidindo sessões, a senhora cobrou de colegas, como Eduardo Suplicy (PT-SP) e Mário Couto (PSDB-PA), cumprimento do tempo previsto no regimento para falar. Acha que o Senado precisa de ordem?
 Marta: Eu sou uma pessoa que cumpre tarefas, regimentos, brigo pelo que acredito. Agora, eu não tenho experiência da Casa e me explicaram como funciona. Eu vi que tem dez minutos para o inscrito. Com os apartes, alguns pronunciamentos chegam a 40, 50 minutos. Isso não permite que os outros falem. Em assuntos muito polêmicos e importantes, tem que ter flexibilidade, deixar mais tempo. Estou num processo de aprendizagem, então há uma estranheza. Mas regimento é regimento.


“Não tenho a intenção de disputar a prefeitura. Zero. Penso em ter um candidato e lutar no partido por ele”

Valor: A senhora enfrentou disputa acirrada na bancada do PT com José Pimentel (CE) para ser vice-presidente do Senado. Por que tanto empenho? Um início de mandato forte pode ajudar na eleição municipal em 2012?

Marta: Disputei a vice porque, com 8 milhões de votos e tendo sido prefeita de São Paulo e ministra, me sinto qualificada a disputar qualquer coisa no Senado. Tenho responsabilidade em fazer um mandato forte, para produzir e ajudar o governo. Ao mesmo tempo, achei que seria emblemático o fato de a Dilma estar lá e eu aqui. Eu disse a Pimentel: nós dois somos igualmente qualificados. A única diferença é que sou mulher. Eu não teria por que fazer o gesto [abrir mão] para você. Você tem como fazer o gesto e tornar concreta a ação dela. Foi o que o convenceu [Pimentel desistiu].

Valor: O objetivo não era 2012?

Marta: Eu não tenho nenhuma intenção de disputar a prefeitura. Zero. A experiência no Senado está sendo extremamente gratificante e o partido tem outras pessoas que poderão ocupar esse espaço. Estou pensando em ter um candidato e lutar no partido por ele. Ainda não sei quem.

Valor: Nem se o partido pedir?

Marta: Já cumpri essa tarefa quando saí do Ministério do Turismo. Vou ter um candidato e lutar para que ele seja o escolhido pelo partido. E vou vestir a camisa e fazer campanha de rua. Acho muito importante para 2014 ganhar a Prefeitura de São Paulo. Não é fundamental, mas é importantíssimo.

Valor: E o governo estadual, pretende disputar?

Marta: Não adianta fazer planos para 2014. Está muito longe. Não faria nenhum sentido. A vida é a vida. Essa é a frase.

Valor: A política paulista vai mudar muito a partir da movimentação do prefeito Gilberto Kassab – atualmente no DEM -, que pode até ir para um partido da base governista, PMDB ou PSB. O que a senhora espera?

Marta: Os partidos todos só estão interessados em 2014. E 2014 passa pela eleição de 2012 nas grandes prefeituras do país. E a maior delas, que é São Paulo. Então, essa movimentação tem a ver com esses interesses. O projeto Ciro Gomes em São Paulo não vingou. O PSB não tem candidato. O tabuleiro não está claro. E a definição se dará mais à frente, quando os partidos estiverem assentados. Acredito que muita surpresa vai ocorrer.

Valor: O que acha de Kassab num partido da base de Dilma?

Marta: O Kassab está a serviço da candidatura do Serra a presidente e isso pode passar por vários caminhos. E quem não perceber isso está de olhos fechados. Ponto.

Valor: A presidente Dilma está imprimindo estilo de governo diferente de Lula?

Marta: É um governo muito parecido no conteúdo, mas muito diferente na forma. As prioridades continuam as mesmas. Ela está fazendo exatamente o que Lula fez quando assumiu em 2003. Eu era prefeita de São Paulo e tinha passado a pão e água nos primeiros dois anos com Fernando Henrique Cardoso. Achei que, com a entrada do Lula, eu ia ter melhoria de investimentos. Isso não ocorreu, porque o salário mínimo não foi aumentado na época e os recursos para São Paulo foram muito escassos. Ela começa tendo a mesmíssima coragem que Lula teve nos primeiros dois anos. Seguiu a regra do salário mínimo e não cedeu. Ela contingenciou investimentos.

Valor: Lula dizia que o começo foi duro porque herdara situação difícil. Dilma deve queixar-se do governo Lula, que era dela?

Marta: Não existe milagre e nem conto de fada. E não se tapa o sol com a peneira. Se ela está precisando tomar atitudes mais duras é porque o gasto foi um pouco além. O que podemos dizer é que esse gasto não foi dinheiro jogado pela janela. Foram investimentos em obras públicas, em benefícios sociais, o que foi diferente da época Fernando Henrique.

“Estão todos só interessados em 2014, mas esta eleição passa por 2012, quando muita surpresa vai ocorrer”

Valor: Dilma deve disputar a reeleição em 2014?

Marta: Ela vai ter esse direito. Se estiver bem avaliada, ela vai ter todo o direito.

Valor: Acha que Dilma começou bem na negociação com o Congresso em torno do salário mínimo?

Marta: Passou bem. Ela tem uma situação mais favorável que o Lula. Uma base mais consolidada. Pela habilidade e firmeza com que foi tocado esse salário mínimo acredito que ela irá bem.

Valor: Dilma era considerada uma estranha no PT. E agora?

Marta: Ela está absolutamente incorporada, aceita. Desde criancinha.

Valor: A senhora colheu assinaturas para desarquivar o projeto que criminaliza a homofobia, aprovado na Câmara em 2006. O tema, que marcou sua gestão como deputada, será a principal luta no Senado?

Marta: O projeto vai para a Comissão de Direitos Humanos, que vai ser presidida pelo Paulo Paim (PT-RS). Já pedi a relatoria. Vou mapear quem são os aliados, ver quais são as objeções e definir estratégia. Trajetória a gente não joga no lixo. Faz parte da biografia. Mas chego com outra bagagem. Outros temas agora fazem parte do meu interesse, como reforma tributária, reforma política.

Valor: Algum projeto em mente?

Marta: Tem um projeto sobre o qual comecei a pensar, que implica mudança federativa. Como prefeita de São Paulo, eu tive experiência que não se pode mais tratar o lixo, o transporte e segurança pública numa região metropolitana sem que um órgão seja responsável pelo planejamento da região nessas questões. São Paulo, por exemplo, tem regiões paupérrimas, e, se não for pensado o desenvolvimento regional dali, não desenrola. Tem que ter recursos federais, estaduais e até dos municípios envolvidos. Tenho isso na cabeça há muito tempo, e estou estudando como apresentar.